domingo, 23 de agosto de 2015

Confiança é a chave

Mais uma vez estou aqui falando de self-disclosure, ou em bom português, de abrir o jogo, contar a verdade. No meu caso específico, de contar para um novo parceiro que sou soropositivo. O interessante é que sempre justifiquei minha dificuldade em falar desse assunto com base na minha expectativa da reação do outro.
Cada vez que começo a sair com uma pessoa nova fico imaginando mil coisas. Em um dos cenários possíveis, vou contar que tenho HIV e a pessoa não vai mais querer sair comigo - ainda que ela não me diga que esse é o motivo para terminar comigo. 
Num outro cenário, um pouco mais trágico, a pessoa sente-se traída, me acusa, me ofende, sai batendo a porta e com muita raiva de mim.
Passando pro lado dos cenários mais otimistas, há aquele no qual a pessoa aceita de boa como se fosse apenas mais uma informação biográfica como o signo ou o local de nascimento.
Ainda positivo, mas um pouco menos acolhedor é aquele em que a pessoa diz precisar de um tempo para processar a informação e depois volta dizendo que está tudo bem, faz muitas perguntas, quer entender como é, o que pode e o que não pode.
Há ainda um cenário possível e positivo, mas que nunca parece irrealizável, que é aquele em que no momento em que um conta que é soropositivo, o outro também revela que é e estava sem saber em que momento iria contar. Esse último já me levou a pensar em fazer minha revelação iniciando por uma pergunta. Seria mais ou menos assim:
     (Eu) - oi, queria te perguntar uma coisa...
     (Outro) - sim, pode perguntar.
     (Eu) - você é soropostivo?
     (Outro) - Sim, como você sabe? ou Não, claro que não, por que? ou "n"outras respostas possíveis
     (Eu) - Eu sou... e aí segue-se um dos cenários acima mencionados.


Recentemente estava saindo já há uns 2 meses com uma pessoa e ainda não tinha tido coragem para contar-lhe da minha situação sorológica. Na verdade, eu estava inseguro acerca do futuro da relação, que, na verdade, ainda estava naquela fase do "estamos nos conhecendo" embora eu já tivesse tentado "dar nome às coisas". Ao comentar sobre isso na minha terapia, ouvi de volta a seguinte observação: "você não contou porque não confia nele". Essa frase tão direta me atingiu como um golpe e me fez pensar. Um filme passou pela minha cabeça e eu percebi diversos momentos da nossa breve história em que me peguei desconfiando dele. Seja duvidando de uma história que me foi contada, seja achando que a motivação para estar comigo era interesse financeiro, só para mencionar algumas. Fez muito sentido para mim percebe que, por mais que eu tenha sim a tendência de querer ter a aprovação dos outros para as coisas que faço, a minha disposição para contar sobre minha sorologia estava intimamente relacionada ao meu grau de confiança na outra pessoa. Essa reflexão me leva a uma outra que é: se depois de ter experimentado dois meses de convívio próximo, partilhado experiências ainda assim não tenho confiança em contar para ele que sou soropositivo, é porque, na verdade, talvez  não deva continuar me encontrando com essa pessoa.

domingo, 26 de abril de 2015

Como viver com o rótulo de "sou aidético"

Semana passada estava participando de um treinamento na área de relações humanas e a psicóloga que estava conduzindo o curso propôs a seguinte dinâmica de grupo. Cada pessoa receberia uma etiqueta que seria pregada nas suas costas evidenciando uma determinada característica e as demais pessoas se comportariam em relação a ela a partir do que vissem escrito na etiqueta. Num grupo de cerca de 20 pessoas, a etiqueta que me coube foi: "sou aidético" pregada nas minhas costas. No início não conseguia ter a menor indicação do que poderia estar escrito nas minhas costas, mas via que as pessoas me tratavam bem, com atenção, algumas com um olhar de compaixão. Algumas falavam que compreendiam que eu devia sofrer muito preconceito. Do meio da atividade em diante algumas pessoas começaram a perguntar pela minha saúde, uma delas comentou: "que bom que hoje há medicamentos para tudo, né?" Nesse momento pensei que pudesse ser algo relacionado com uma doença. De todo modo, recebi muitas palavras de apoio das pessoas dizendo que se relacionariam comigo do mesmo modo. Confesso que estava muito interessado em interagir com as outras pessoas e que nem sempre prestei atenção ao que me diziam ou ao modo como reagiam a mim, ah se eu soubesse! Teria ficado mais atento a cada palavra dita. No momento do processamento da atividade, quando eu finalmente pude falar da minha experiência, algumas pessoas comentaram também que é uma questão que para eles não geraria nenhuma restrição. Uma delas, que carregava a etiqueta de "sou uma mulher de 40 anos e namoro com um homem 20 anos mais jovem que eu" disse que namoraria comigo se eu cumprisse os requisitos da idade. Na hora que eu falei, disse que senti uma atitude acolhedora, compreensiva e madura do grupo mas é porque eu entendia que tratava-se de um grupo de pessoas esclarecidas, profissionais da área de relações humanas mas que possivelmente uma pessoa com Aids não encontra toda essa receptividade no mundo externo. Fiquei muito tocado com a sincronicidade do universo de me proporcionar fazer num ambiente seguro e controlada revelação do meu estado de saúde (de forma aproximada, porque na verdade não desenvolvi Aids, sou apenas soropositivo) e ver como as pessoas reagiriam. Foi interessante perceber que outras características sofreram hostilidade e preconceito: o pedófilo, o marido que batia na mulher, a mãe que batia muito nos filhos pequenos e o traficante de drogas. Outras foram alvo de pena: o adolescente que sofria bullying, a mulher que apanhava do marido. E outras ainda foram alvo de boa receptividade, aceitação, acolhimento ou apoio: o gay, o bissexual, a mulher que namora o homem mais novo, a adolescente grávida e o aidético. Por mais difícil que continue sendo falar sobre minha sorologia para as pessoas essa experiência serviu de um certo alívio para mim. Espero que o mundo tenha muitas pessoas como as que estavam naquele curso comigo, que conseguiram olhar para mim para além da minha condição de saúde e me receberem com olhar compreensivo.