quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Sobre o tratamento do tumor - sarcoma de kaposi parte 2

Este post é continuação do anterior, se você não o leu, clique aqui para acessá-lo.
Só para relembrar, rapidamente
Há pouco mais de um mês tive o diagnóstico (por meio de biópsia) de que a mancha que tenho na planta de um dos pés é um tumor, do tipo sarcoma de kaposi.
O Kaposi é um tipo de câncer relacionado ao vírus do herpes tipo 8 - HHV8 - que é bastante comum na população em geral, porém só se manifesta quando há baixa imunitária significativa. Por essa razão, o surgimento do kaposi costuma ser muito relacionado com o HIV/Aids. Ao que andei lendo, parece que há uma certa prevalência dessa doença na população homossexual, embora não tenha sido encontrada a causa dessa relação. 
Enfim, ao saber que eu tinha um tumor, procurei um oncologista na minha cidade, que fez um exame dermatológico completo - pediu para que eu ficasse de cueca e olhou atentamente todo o meu corpo. Esse exame poderia ter sido feito pelo dermatologista que fez a biópsia, mas ele não o fez (se você estiver nessa situação, solicite! É importante saber se existem outras lesões).
Esse mesmo oncologista solicitou uma série de exames complementares para verificar se haveria outros tumores no meu corpo - esse tipo de sarcoma pode aparecer em vísceras também, o que é bastante perigoso. Por isso fiz, ressonâncias, tomografias, endoscopia e colonoscopia. Felizmente, nenhum outro tumor foi encontrado e, portanto, estávamos diante de uma lesão única, cutânea e aparentemente estável - de memória, ela deve ter surgido há uns 4 anos. 
O tratamento sugerido por esse oncologista foi de sessões de radioterapia de baixa intensidade localizadas no local da lesão. Cheguei a conversar com o radioterapeuta que faria as aplicações e estava prestes a iniciar o tratamento - estimado em 15 sessões - quando me deparei com um sentimento de que deveria buscar uma segunda opinião.
Imbuído desse sentimento fiz pesquisas na internet e busquei especialistas em câncer de pele em São Paulo e fui vê-los. Em um dia, me consultei com 3 profissionais diferentes em renomados hospitais ou centros de tratamento de câncer. Para minha surpresa, o posicionamento dos três profissionais foi idêntico: não faça nenhum tratamento nesse momento. Vamos fazer o acompanhamento ativo dessa lesão! Foi-me explicado que a radioterapia, apesar de baixa agressividade, poderia trazer consequências de longo prazo ou até permanentes como fibrose, dor crônica etc. E que o benefício gerado por esse tratamento talvez não compensasse o esforço.
Lembrem-se de que estou falando de uma lesão que, aparamente, está estável há 4 anos. A hipótese que eu elaborei, e que parece fazer muito sentido, é de que o tumor apareceu por volta de 2011/2012 quando tive uma baixa imunitária e, ao iniciar a Terapia Antirretroviral - TARV, o tumor parou de se desenvolver. Como faço uso permanente de TARV, é muito provável que o tumor nunca se desenvolva, então, também fez muito sentido a recomendação desses profissionais.
Tenho muito respeito e consideração pelos profissionais que me atenderam na minha cidade - o oncologista e o radioterapeuta - todavia, ambos são médicos habituados a tratar outros tipos de câncer (o radioterapeuta chegou a mencionar que nunca havia tratado um kaposi antes) e recomendaram o tratamento que consideravam o mais adequado. Meu intuito com esse post é orientar a quem possa estar passando por uma situação semelhante, ou por qualquer outra que exija um tratamento que traz consequências não-benéficas / efeitos colaterais, para que procure uma segunda opinião. 
Estou bem mais tranquilo com a minha situação e o que farei agora é esse acompanhamento.
Em tempo, tenho algumas pintas nas costas - coisa antiga já - que têm uma aparência um pouco fora do padrão então, por precaução, irei a um dermatologista para retirá-las e fazer biópsia delas. Espero que não seja nada demais.
Grande abraço!

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Tenho um tumor - Sarcoma de Kaposi

Há pouco mais de duas semanas tive o diagnóstico de que uma lesão na sola do meu pé trata-se de um tumor, para ser mais específico, de um sarcoma de kaposi.
Ao receber essa notícia, muita coisa passou pela minha cabeça e eu entrei num funcionamento extremamente racional para conseguir lidar com a situação. Marquei um oncologista no mesmo dia, fiz exames, avisei meu infectologista. 
Na consulta com o oncologista ele me avisou que parecia tratar-se de algo simples e pontual mas que era necessária uma investigação ampla para eliminar a possibilidade de existência de outros focos. O primeiro passo foi um exame clínico  detalhado (eu de cueca e ele me olhando e tocando meu corpo). Em seguida a investigação por meio de exames: ressonâncias, tomografias, colonocospia, endoscopia e exames de sangue. Em menos de uma semana todos os exames haviam sido feitos e mais uma semana depois já estava de volta ao oncologista com os resultados: tudo limpo! Ufa que alívio! Não há em nenhuma outra parte do meu corpo nenhum outro foco de kaposi.
Todavia, um mistério persistia: como esse tumor apareceu? A pergunta se justifica porque o surgimento desse tipo de câncer está associada com dois fatores: a presença do vírus HHV-8 (vírus da herpes tipo 8) - que é muito comum e muito presente na população e uma baixa significativa de imunidade (que em geral ocorre em pacientes soropositivos não tratados, o que não é o meu caso). 
Só para contextualizar, descobri que era soropostivo desde 2003 e apenas em 2012 inicie a terapia com medicação antirretroviral. Nos 9 primeiros anos a escolha do meu infectologista foi pela não medicação pois eu tinha um quadro estável: carga viral baixa e estabilizada e células de defesa (CD4 e CD8) altas e também estáveis. Todavia, em 2012 o protocolo de tratamento do HIV no Brasil mudou e passou-se a recomendar a medicação de todos os infectados, não fosse isso, naquele ano eu estava passando por uma série de infecções de repetição - sinusites - que me levaram a esgotar todas as classes de antibióticos orais em um ano. Embora meus exames continuassem estáveis e satisfatórios, a ocorrência dessas infecções com tanta frequência (foram 6 no mesmo ano) indicavam que algo não ia bem com meu sistema imunológico. Dessa forma, iniciei no final daquele ano o uso de medicação antirretroviral. 
O início não foi fácil pois meu esquema envolvia o uso do Efavirenz junto com outras duas drogas (clique aqui para ler o post que escrevi sobre o Efavirenz), que não durou muito tempo por causa dos severos efeitos colaterais. Passei então para um segundo esquema, com o qual continuo até hoje, usando Nevirapina, Lamivudina e Tenofovir. Me dei muito bem com essa nova medicação, minha carga viral encontra-se indetectável e minhas células de defesa em nível bem alto desde então.
Por tudo isso, o diagnóstico de kaposi surpreendeu a mim e a todos os médicos que me atenderam. Meu médico chegou a cogitar a troca do esquema pois o kaposi é uma doença oportunista e sua ocorrência necessariamente indicaria uma falha terapêutica. Meu caso foi levado para ser debatido com infectologistas e violonistas em um congresso sobre Aids que estava ocorrendo justo na semana em que tive consulta. Tudo estava obscuro para nós até que hoje tive uma epifania sobre o que pode ter acontecido.
Todas as vezes que me perguntavam há quanto tempo eu possuía aquela lesão eu relatava que eu a havia notado há cerca de 4 anos, ou seja, desde 2012 mais ou menos. Lembro-me inclusive de associar o aparecimento dos primeiros sintomas a uma viagem que fiz em julho daquele ano. No início, cheguei a pensar que pudesse se tratar de alguma micose que peguei durante a viagem. 
Como falei no início deste texto, o início da terapia antirretroviral (TARV) foi no final de 2012 (em setembro ou outubro), ou seja, quando iniciei a TARV eu já possuía a lesão do kaposi. O que, na verdade, parece ter acontecido é que eu tive sim um déficit imunitário e o tumor encontrou ocasião para aparecer - analisando meus exames desde 2003, identifiquei que o período de menor relação CD4/CD8 se concentra entre junho de 2011 e maio de 2012 que é o período que antecede o início da TARV (cerca de 0,50, com menor índice histórico de 0,45 em Maio de 2012). 
Com o início da medicação, possivelmente ele se estabilizou e não progrediu no meu corpo. Os exames demonstram que a partir de Julho de 2013 até hoje (Agosto/2016) é o período com maior relação CD4/CD8 que já tive em toda minha história (cerca de 1,00). Sei que ter câncer não é uma coisa boa e não estou feliz por ter esse tumor, mas essa constatação de que, ao que tudo indica, iniciei o uso do coquetel logo que a lesão de kaposi apareceu me deixou emocionado pois, muito provavelmente, se eu não tivesse começado a tomar remédio, outras lesões teriam aparecido, talvez em lugares mais difíceis de serem tratados enfim... Me senti agraciado e cuidado por algo que eu nem sei nominar ao certo. Não, eu não acredito em coincidências. Creio que tudo acontece por uma razão e que tudo pode gerar oportunidades de crescimento e de desenvolvimento.
O tratamento que me foi sugerido no momento é: Radioterapia de baixa frequência localizada na área da lesão para evitar progresso do tumor e, talvez, até eliminá-lo. A possibilidade de troca do coquetel foi descartada após conferência de meu infectologista com outros profissionais da área. Mas o tratamento é outra história... depois que iniciar eu volto aqui para contar como foi.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Medo de ser contaminado

Recentemente conheci um rapaz e começamos a sair.
Tivemos uns dois encontros "sociais", ou seja, sem maiores intimidades sexuais. Quando chegou a oportunidade de algo mais físico acabei "brochando" e não consegui ficar com ele. Rolou um certo constrangimento da minha parte, mas ele foi bastante compreensivo com a situação.
No encontro seguinte, que foi apenas "social", conversamos sobre diversos assuntos e lá pelas tantas ele me conta que teve um namorado soropositivo e que foi muito difícil para ele viver essa relação pois sempre achava que iria ser contaminado. E mesmo depois dele, a cada vez que ficava doente, corria para fazer exames para ver se estava tudo bem.
Não preciso nem mencionar o quanto isso foi um balde de água fria em qualquer expectativa que eu ainda poderia ter em construir uma relação com ele né? No momento não consegui falar nada, apenas fui para casa pensando muito nessa história.
Diversas possibilidades passavam pela minha cabeça:
1) melhor me afastar sem falar nada sobre HIV pois evita que eu tenha de me expor por uma coisa que "já está na cara" que não vai dar certo
2) contar que sou soropositivo apenas para justificar nosso "término"
3) contar que sou soropositivo e ver como as coisas andam
Apesar de a primeira opção ser minha escolha "natural" depois de uma conversa com meu psicoterapeuta acabei optando pela 3a. Ou seja, contar, de coração aberto, e ver o que aconteceria. Minha expectativa é que o cenário 2 se realizasse e que ele dissesse algo do tipo: "Puxa, que bom que você me contou e que bom que 'não rolou nada' entre a gente. Melhor ficarmos por aqui mesmo"
Chegado o dia da conversa, fui à casa dele e logo nos primeiros minutos disse que queria conversar com ele sobre um assunto delicado. Relembrei a conversa sobre o medo dele em ser contaminado e anunciei minha condição de soropositivo.
Ele, para minha surpresa, reagiu com extrema tranquilidade e com uma sensação de epifania. Falou que agora então compreendia porque não tínhamos conseguido ter intimidade sexual. Possivelmente eu estaria preocupado por não ter contado antes. Disse que, na verdade, hoje lida com muito mais tranquilidade com essa questão e que não via problema algum em continuarmos.
Inacreditável!
Tirei um peso enorme das costas, contei algo que me é muito desconfortável de revelar e fui super bem acolhido. 
De todo modo, hoje não estamos mais juntos, porém o motivo é outro e não tem nada a ver com o HIV. No final das contas nossa intimidade sexual continuou não fluindo favoravelmente e eu percebi que eu gostava dele mais como pessoa do que como homem. Ou seja, adorava conversar com ele mas não me sentia atraído. Por ele ser uma pessoa super legal, até tentei mais algumas vezes, porém finalmente depois de algum tempo decidi me afastar até para não ficar gerando expectativas falsas nele.
Sei que cada um tirará um aprendizado dessa minha experiência, mas o que ficou para mim é que, no final das contas, é realmente muito difícil prever como as pessoas vão reagir à revelação sobre a soropositividade. Eu tenho tido muitas gratas surpresas. Não sou daqueles defensores de que devemos contar sempre no primeiro encontro e tratar disso como se estivesse falando do meu signo e possivelmente nunca serei. De todo modo, fica aí meu relato.