domingo, 26 de abril de 2015

Como viver com o rótulo de "sou aidético"

Semana passada estava participando de um treinamento na área de relações humanas e a psicóloga que estava conduzindo o curso propôs a seguinte dinâmica de grupo. Cada pessoa receberia uma etiqueta que seria pregada nas suas costas evidenciando uma determinada característica e as demais pessoas se comportariam em relação a ela a partir do que vissem escrito na etiqueta. Num grupo de cerca de 20 pessoas, a etiqueta que me coube foi: "sou aidético" pregada nas minhas costas. No início não conseguia ter a menor indicação do que poderia estar escrito nas minhas costas, mas via que as pessoas me tratavam bem, com atenção, algumas com um olhar de compaixão. Algumas falavam que compreendiam que eu devia sofrer muito preconceito. Do meio da atividade em diante algumas pessoas começaram a perguntar pela minha saúde, uma delas comentou: "que bom que hoje há medicamentos para tudo, né?" Nesse momento pensei que pudesse ser algo relacionado com uma doença. De todo modo, recebi muitas palavras de apoio das pessoas dizendo que se relacionariam comigo do mesmo modo. Confesso que estava muito interessado em interagir com as outras pessoas e que nem sempre prestei atenção ao que me diziam ou ao modo como reagiam a mim, ah se eu soubesse! Teria ficado mais atento a cada palavra dita. No momento do processamento da atividade, quando eu finalmente pude falar da minha experiência, algumas pessoas comentaram também que é uma questão que para eles não geraria nenhuma restrição. Uma delas, que carregava a etiqueta de "sou uma mulher de 40 anos e namoro com um homem 20 anos mais jovem que eu" disse que namoraria comigo se eu cumprisse os requisitos da idade. Na hora que eu falei, disse que senti uma atitude acolhedora, compreensiva e madura do grupo mas é porque eu entendia que tratava-se de um grupo de pessoas esclarecidas, profissionais da área de relações humanas mas que possivelmente uma pessoa com Aids não encontra toda essa receptividade no mundo externo. Fiquei muito tocado com a sincronicidade do universo de me proporcionar fazer num ambiente seguro e controlada revelação do meu estado de saúde (de forma aproximada, porque na verdade não desenvolvi Aids, sou apenas soropositivo) e ver como as pessoas reagiriam. Foi interessante perceber que outras características sofreram hostilidade e preconceito: o pedófilo, o marido que batia na mulher, a mãe que batia muito nos filhos pequenos e o traficante de drogas. Outras foram alvo de pena: o adolescente que sofria bullying, a mulher que apanhava do marido. E outras ainda foram alvo de boa receptividade, aceitação, acolhimento ou apoio: o gay, o bissexual, a mulher que namora o homem mais novo, a adolescente grávida e o aidético. Por mais difícil que continue sendo falar sobre minha sorologia para as pessoas essa experiência serviu de um certo alívio para mim. Espero que o mundo tenha muitas pessoas como as que estavam naquele curso comigo, que conseguiram olhar para mim para além da minha condição de saúde e me receberem com olhar compreensivo.