quarta-feira, 9 de maio de 2018

Vamos falar sobre sexo bareback?

A eficácia da terapia antirretroviral (TARV) possibilitou a portadores do vírus, como eu, levarem uma vida mais saudável após atingirem o status de positivo indetectável. Além de gozarmos de melhor saúde, também nos tornamos não-nocivos no que tange o risco de contaminar outros com o HIV.
Outro fato é que mais recentemente as medicações pré-exposição (PrEP) foram disponibilizadas e muitas pessoas que fazem uso dessa alternativa passaram a fazer sexo sem preservativo, uma vez que o risco de contágio por HIV é praticamente eliminado.
Na prática então, tenho encontrado muitas pessoas que sequer perguntam o status sorológico do parceiro (eu no caso) ou se faz uso de alguma medicação. Ao chegar-se às vias de fato há uma tranquilidade muito grande da parte deles em iniciar o ato sexual sem preservativo, cabendo à outra parte a eventual iniciativa de exigir o uso da camisinha. E honestamente não sei se necessariamente trata-se de pessoas em uso de PrEP ou de TARV, pois nem sempre o diálogo alcança esse detalhe.
De todo modo, ao que sei, o propósito tanto da PrEP assim como da TARV não era o de eliminar a camisinha das relações sexuais causais, mas sim proteger as pessoas contra eventuais contaminações acidentais, assim como garantir a tranquilidade em casais sorodiscordantes que, nesse caso sim, poderiam, sob orientação médica, retirar o preservativo da relação.

E tem mais. Para além da TARV e da PrEP, existem dois fenômenos geracionais que também parecem interferir nesse comportamento atual do sexo sem proteção:
  • A geração mais nova, que começou sua vida sexual recentemente (aí falo de adolescentes e jovens até 25 anos) não conheceram a faceta letal da Aids e não viram pessoas públicas definhando até morrer. Hoje em dia, pode-se dizer que praticamente não se morre mais de Aids e a infecção por HIV virou mais uma doença crônica passível de ser tratada e que não impede o soropositivo de levar uma vida normal. Há, em alguns desses jovens, um discurso de: "ah, se pegar HIV é só tomar um remédio e fica tudo bem".
  • O outro fenômeno geracional parece estar localizado no estrato da outra ponta, os idosos. A melhoria as condições de vida, bem como as medicações para tratamento da disfunção erétil recolocaram pessoas com mais de 60, 70 anos "no mercado". Dessa forma, muitos deles voltaram à atividade sexual regular. Ocorre que a maior parte dessas pessoas começou sua vida sexual numa época onde não havia Aids e durante a parte mais ativa de sua vida, possivelmente estiveram em relacionamento estáveis e por isso não usavam preservativos. Agora então, são reticentes a incorporar algo que nunca foi um hábito. Alguns dados de saúde inclusive apontam que cresceu o número de infecção por HIV e outras DSTs nesse público.
Isto posto, esclareço não estou aqui para falar de saúde pública, pois esse não é meu foco e há outras pessoas melhor qualificadas do que eu trabalhando nessa seara. Quero trazer a discussão para o nível da tomada de decisão pelo não-uso de preservativo. Sei que as razões que levantei acima para explicar essa escolha não constituem uma lista exaustiva e baseiam-se apenas em fatos objetivos. E sinceramente, quem nessa vida toma decisões baseado apenas em fatos objetivos? Há sempre muita coisa não-dita e não-racional envolvida e nesse tipo de comportamento não seria diferente, não é mesmo?
A pergunta que proponho então é: o que o motiva a fazer sexo sem preservativo? Abaixo algumas elocubrações iniciais:
  • Será um prazer físico pelo contato pele com pele, que gera sensações fisiológicas mais aguçadas durante o ato?
  • Será um prazer transgressor em fazer algo que antes não era possível? Ou algo que, na verdade, ainda é considerado inadequado por muitos?
  • Será algo ligado a nossa ancestralidade que induz a sentir que a cópula precisa da deposição do sêmen dentro do outro parceiro para ser completa, mesmo sendo um parceiro do mesmo sexo e portanto não fecundável?
  • Será um instinto de autodestruição que leva a ignorar os riscos que, mesmo reduzidos graças a tecnologia disponível, ainda existem nesse tipo de prática?
  • O que será?
Convido aos que me leem para que comentem. Todos os pontos de vista são bem vindos e serão respeitados — se você faz com ou sem camisinha; se o faz sempre ou de vez em quando; se é só no oral ou também no anal, não importa. Creio que todo mundo tem algo a dizer sobre esse tema. Fique a vontade para compartilhar sua opinião e/ou experiência aqui.

p.s.: não é intuito deste post fazer apologia nem julgamento a nenhum tipo de comportamento. Quero apenas abrir um espaço para discutir uma questão atual que afeta a todos os que têm vida sexual ativa.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Notícias recentes - sucesso do tratamento contra o Kaposi e contei sobre o HIV para uma amiga!

Há tempos não escrevo nada e resolvi postar para dar duas notícias: o sucesso do tratamento do Kaposi e sobre minha recente decisão de contar minha sorologia para uma amiga.

Sobre o tratamento, tudo deu muito certo. No início de 2017 eu fiz algumas sessões de radioterapia (acho que foram 15, se me lembro bem). Passados alguns meses voltei ao hospital para a avaliação clínica e o resultado foi considerado excelente e não há mais resquício da lesão! Esse processo de tratamento como um todo foi bastante significativo em diversos aspectos que gostaria de compartilhar: 
   1) por mais que seja um tipo de tumor com progressão lenta, o Kaposi é um tipo de câncer, então é algo que assusta. 
   2) o fato de frequentar um hospital que faz tratamento para câncer (no meu caso foi o Sírio-Libnês, onde fui muito bem atendido, parabéns à equipe!) é impactante pois encontrava-me todos os dias com pessoas com situações diferentes da minha, algumas bem mais graves, inclusive. De crianças a idosos. Alguns para radioterapia e outros para quimio. Alguns para tratamentos com expectativa de cura, como eu, outros apenas para paliativos, enfim, faz pensar em um monte coisas. 
   3) foi simbólico iniciar o tratamento no dia do meu aniversário. Eu havia adiado o início por duas vezes por motivo de viagem. E quando a terceira data foi marcada, de acordo com a disponibilidade de agenda do hospital, acabou caindo no dia do meu aniversário. Claro que pensei em desmarcar, mas acabei aceitando que poderia ser uma boa coisa, pois o intuito daquele compromisso era cuidar da minha saúde, então achei que fazia sentido um pouco de autocuidado no dia aniversário, né?
Isto posto, encerro aqui o capítulo do Kaposi. Se você está lendo e tem alguma questão a respeito, fique a vontade para me enviar uma mensagem!

Acabei de contar a minha melhor amiga que sou soropositivo. Sim, isto acabou de acontecer! Decidi hoje pela primeira vez contar para uma amiga sobre minha condição de soropositivo. Essa decisão aconteceu num contexto de necessidade pois estendi minha permanência fora do país e meus antirretrovirais vão acabar antes que eu volte para o Brasil. A iminente falta do remédio foi a desculpa que usei pois, na verdade, há tempos já vinha querendo compartilhar minha condição com alguém de confiança. A pessoa para quem contei é minha melhor amiga e está vindo para o país onde estou daqui a alguns dias, então só juntei a fome com a vontade de comer, como dizem.
Decidi contar por meio de uma mensagem de áudio. Ensaiei várias vezes antes de mandar o definitivo pois queria que fosse uma mensagem curta, direta e com todas as informações essenciais para um primeiro contato com essa informação. Ela me respondeu segundos depois de tê-la ouvido e aceitou trazer o remédio para mim.
Para pessoas que, como eu, decidiram manter a informação sobre o HIV em sigilo, esse passo é muito difícil de dar, pois trata-se de um assunto delicado e sobre o qual ainda há muita incompreensão. E até por isso mesmo, vai ser bom poder falar abertamente sobre as questões relativas à minha saúde com ela, que é uma pessoa em quem confio e com quem já compartilho muitas coisas da minha vida.
Vivo com o HIV há 15 anos e já aprendi muita coisa nessa caminhada, já desenvolvi também o meu jeito de lidar com essa condição. Todavia, a cada momento sou convidado a aprender a lidar com novas situações e hoje foi uma delas. Grande beijo para essa minha amiga tão especial!