quarta-feira, 20 de março de 2019

De quem é a responsabilidade?

Prezados leitores,

sempre fui de usar preservativo e desde que me descobri soropositivo passei a ter ainda mais cuidado com isso. Cerca de 8 anos após a descoberta do meu status, iniciei o tratamento com a terapia antiretroviral e, depois de consolidado meu status de indetectável, passei a abrir algumas exceções e hoje em dia faço sexo sem camisinha na maior parte das vezes, pois sei que não transmitirei o HIV a ninguém.

Porém há pessoas que pensam diferente. Outro dia conversando com um outro soropositivo que também teve uma trajetória semelhante: positivo sem tratamento por uns anos e agora indetectável medicado. A diferença entre nós é que ele continuou fazendo sexo sem camisinha mesmo durante os anos em que estava sem tratamento e disse que não se preocupou com o risco (quase certeza) de transmissão, pois acreditava que a responsabilidade é individual. Ou seja, se o parceiro quis fazer sem camisinha e não perguntou o status dele é porque estava assumindo o risco. Segundo ele, sempre que alguém perguntava ele falava a verdade. Argumentei com ele que achava incorreto o que ele fez e não concordava com a lógica utilizada, pois ele sabia que a chance de transmissão era alta e deveria ter avisado, caso quisesse fazer sem camisinha.

O que vocês acham?

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Vamos falar sobre sexo bareback?

A eficácia da terapia antirretroviral (TARV) possibilitou a portadores do vírus, como eu, levarem uma vida mais saudável após atingirem o status de positivo indetectável. Além de gozarmos de melhor saúde, também nos tornamos não-nocivos no que tange o risco de contaminar outros com o HIV.
Outro fato é que mais recentemente as medicações pré-exposição (PrEP) foram disponibilizadas e muitas pessoas que fazem uso dessa alternativa passaram a fazer sexo sem preservativo, uma vez que o risco de contágio por HIV é praticamente eliminado.
Na prática então, tenho encontrado muitas pessoas que sequer perguntam o status sorológico do parceiro (eu no caso) ou se faz uso de alguma medicação. Ao chegar-se às vias de fato há uma tranquilidade muito grande da parte deles em iniciar o ato sexual sem preservativo, cabendo à outra parte a eventual iniciativa de exigir o uso da camisinha. E honestamente não sei se necessariamente trata-se de pessoas em uso de PrEP ou de TARV, pois nem sempre o diálogo alcança esse detalhe.
De todo modo, ao que sei, o propósito tanto da PrEP assim como da TARV não era o de eliminar a camisinha das relações sexuais causais, mas sim proteger as pessoas contra eventuais contaminações acidentais, assim como garantir a tranquilidade em casais sorodiscordantes que, nesse caso sim, poderiam, sob orientação médica, retirar o preservativo da relação.

E tem mais. Para além da TARV e da PrEP, existem dois fenômenos geracionais que também parecem interferir nesse comportamento atual do sexo sem proteção:
  • A geração mais nova, que começou sua vida sexual recentemente (aí falo de adolescentes e jovens até 25 anos) não conheceram a faceta letal da Aids e não viram pessoas públicas definhando até morrer. Hoje em dia, pode-se dizer que praticamente não se morre mais de Aids e a infecção por HIV virou mais uma doença crônica passível de ser tratada e que não impede o soropositivo de levar uma vida normal. Há, em alguns desses jovens, um discurso de: "ah, se pegar HIV é só tomar um remédio e fica tudo bem".
  • O outro fenômeno geracional parece estar localizado no estrato da outra ponta, os idosos. A melhoria as condições de vida, bem como as medicações para tratamento da disfunção erétil recolocaram pessoas com mais de 60, 70 anos "no mercado". Dessa forma, muitos deles voltaram à atividade sexual regular. Ocorre que a maior parte dessas pessoas começou sua vida sexual numa época onde não havia Aids e durante a parte mais ativa de sua vida, possivelmente estiveram em relacionamento estáveis e por isso não usavam preservativos. Agora então, são reticentes a incorporar algo que nunca foi um hábito. Alguns dados de saúde inclusive apontam que cresceu o número de infecção por HIV e outras DSTs nesse público.
Isto posto, esclareço não estou aqui para falar de saúde pública, pois esse não é meu foco e há outras pessoas melhor qualificadas do que eu trabalhando nessa seara. Quero trazer a discussão para o nível da tomada de decisão pelo não-uso de preservativo. Sei que as razões que levantei acima para explicar essa escolha não constituem uma lista exaustiva e baseiam-se apenas em fatos objetivos. E sinceramente, quem nessa vida toma decisões baseado apenas em fatos objetivos? Há sempre muita coisa não-dita e não-racional envolvida e nesse tipo de comportamento não seria diferente, não é mesmo?
A pergunta que proponho então é: o que o motiva a fazer sexo sem preservativo? Abaixo algumas elocubrações iniciais:
  • Será um prazer físico pelo contato pele com pele, que gera sensações fisiológicas mais aguçadas durante o ato?
  • Será um prazer transgressor em fazer algo que antes não era possível? Ou algo que, na verdade, ainda é considerado inadequado por muitos?
  • Será algo ligado a nossa ancestralidade que induz a sentir que a cópula precisa da deposição do sêmen dentro do outro parceiro para ser completa, mesmo sendo um parceiro do mesmo sexo e portanto não fecundável?
  • Será um instinto de autodestruição que leva a ignorar os riscos que, mesmo reduzidos graças a tecnologia disponível, ainda existem nesse tipo de prática?
  • O que será?
Convido aos que me leem para que comentem. Todos os pontos de vista são bem vindos e serão respeitados — se você faz com ou sem camisinha; se o faz sempre ou de vez em quando; se é só no oral ou também no anal, não importa. Creio que todo mundo tem algo a dizer sobre esse tema. Fique a vontade para compartilhar sua opinião e/ou experiência aqui.

p.s.: não é intuito deste post fazer apologia nem julgamento a nenhum tipo de comportamento. Quero apenas abrir um espaço para discutir uma questão atual que afeta a todos os que têm vida sexual ativa.

terça-feira, 8 de maio de 2018

Notícias recentes - sucesso do tratamento contra o Kaposi e contei sobre o HIV para uma amiga!

Há tempos não escrevo nada e resolvi postar para dar duas notícias: o sucesso do tratamento do Kaposi e sobre minha recente decisão de contar minha sorologia para uma amiga.

Sobre o tratamento, tudo deu muito certo. No início de 2017 eu fiz algumas sessões de radioterapia (acho que foram 15, se me lembro bem). Passados alguns meses voltei ao hospital para a avaliação clínica e o resultado foi considerado excelente e não há mais resquício da lesão! Esse processo de tratamento como um todo foi bastante significativo em diversos aspectos que gostaria de compartilhar: 
   1) por mais que seja um tipo de tumor com progressão lenta, o Kaposi é um tipo de câncer, então é algo que assusta. 
   2) o fato de frequentar um hospital que faz tratamento para câncer (no meu caso foi o Sírio-Libnês, onde fui muito bem atendido, parabéns à equipe!) é impactante pois encontrava-me todos os dias com pessoas com situações diferentes da minha, algumas bem mais graves, inclusive. De crianças a idosos. Alguns para radioterapia e outros para quimio. Alguns para tratamentos com expectativa de cura, como eu, outros apenas para paliativos, enfim, faz pensar em um monte coisas. 
   3) foi simbólico iniciar o tratamento no dia do meu aniversário. Eu havia adiado o início por duas vezes por motivo de viagem. E quando a terceira data foi marcada, de acordo com a disponibilidade de agenda do hospital, acabou caindo no dia do meu aniversário. Claro que pensei em desmarcar, mas acabei aceitando que poderia ser uma boa coisa, pois o intuito daquele compromisso era cuidar da minha saúde, então achei que fazia sentido um pouco de autocuidado no dia aniversário, né?
Isto posto, encerro aqui o capítulo do Kaposi. Se você está lendo e tem alguma questão a respeito, fique a vontade para me enviar uma mensagem!

Acabei de contar a minha melhor amiga que sou soropositivo. Sim, isto acabou de acontecer! Decidi hoje pela primeira vez contar para uma amiga sobre minha condição de soropositivo. Essa decisão aconteceu num contexto de necessidade pois estendi minha permanência fora do país e meus antirretrovirais vão acabar antes que eu volte para o Brasil. A iminente falta do remédio foi a desculpa que usei pois, na verdade, há tempos já vinha querendo compartilhar minha condição com alguém de confiança. A pessoa para quem contei é minha melhor amiga e está vindo para o país onde estou daqui a alguns dias, então só juntei a fome com a vontade de comer, como dizem.
Decidi contar por meio de uma mensagem de áudio. Ensaiei várias vezes antes de mandar o definitivo pois queria que fosse uma mensagem curta, direta e com todas as informações essenciais para um primeiro contato com essa informação. Ela me respondeu segundos depois de tê-la ouvido e aceitou trazer o remédio para mim.
Para pessoas que, como eu, decidiram manter a informação sobre o HIV em sigilo, esse passo é muito difícil de dar, pois trata-se de um assunto delicado e sobre o qual ainda há muita incompreensão. E até por isso mesmo, vai ser bom poder falar abertamente sobre as questões relativas à minha saúde com ela, que é uma pessoa em quem confio e com quem já compartilho muitas coisas da minha vida.
Vivo com o HIV há 15 anos e já aprendi muita coisa nessa caminhada, já desenvolvi também o meu jeito de lidar com essa condição. Todavia, a cada momento sou convidado a aprender a lidar com novas situações e hoje foi uma delas. Grande beijo para essa minha amiga tão especial!


quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Sobre o tratamento do tumor - sarcoma de kaposi parte 2

Este post é continuação do anterior, se você não o leu, clique aqui para acessá-lo.
Só para relembrar, rapidamente
Há pouco mais de um mês tive o diagnóstico (por meio de biópsia) de que a mancha que tenho na planta de um dos pés é um tumor, do tipo sarcoma de kaposi.
O Kaposi é um tipo de câncer relacionado ao vírus do herpes tipo 8 - HHV8 - que é bastante comum na população em geral, porém só se manifesta quando há baixa imunitária significativa. Por essa razão, o surgimento do kaposi costuma ser muito relacionado com o HIV/Aids. Ao que andei lendo, parece que há uma certa prevalência dessa doença na população homossexual, embora não tenha sido encontrada a causa dessa relação. 
Enfim, ao saber que eu tinha um tumor, procurei um oncologista na minha cidade, que fez um exame dermatológico completo - pediu para que eu ficasse de cueca e olhou atentamente todo o meu corpo. Esse exame poderia ter sido feito pelo dermatologista que fez a biópsia, mas ele não o fez (se você estiver nessa situação, solicite! É importante saber se existem outras lesões).
Esse mesmo oncologista solicitou uma série de exames complementares para verificar se haveria outros tumores no meu corpo - esse tipo de sarcoma pode aparecer em vísceras também, o que é bastante perigoso. Por isso fiz, ressonâncias, tomografias, endoscopia e colonoscopia. Felizmente, nenhum outro tumor foi encontrado e, portanto, estávamos diante de uma lesão única, cutânea e aparentemente estável - de memória, ela deve ter surgido há uns 4 anos. 
O tratamento sugerido por esse oncologista foi de sessões de radioterapia de baixa intensidade localizadas no local da lesão. Cheguei a conversar com o radioterapeuta que faria as aplicações e estava prestes a iniciar o tratamento - estimado em 15 sessões - quando me deparei com um sentimento de que deveria buscar uma segunda opinião.
Imbuído desse sentimento fiz pesquisas na internet e busquei especialistas em câncer de pele em São Paulo e fui vê-los. Em um dia, me consultei com 3 profissionais diferentes em renomados hospitais ou centros de tratamento de câncer. Para minha surpresa, o posicionamento dos três profissionais foi idêntico: não faça nenhum tratamento nesse momento. Vamos fazer o acompanhamento ativo dessa lesão! Foi-me explicado que a radioterapia, apesar de baixa agressividade, poderia trazer consequências de longo prazo ou até permanentes como fibrose, dor crônica etc. E que o benefício gerado por esse tratamento talvez não compensasse o esforço.
Lembrem-se de que estou falando de uma lesão que, aparamente, está estável há 4 anos. A hipótese que eu elaborei, e que parece fazer muito sentido, é de que o tumor apareceu por volta de 2011/2012 quando tive uma baixa imunitária e, ao iniciar a Terapia Antirretroviral - TARV, o tumor parou de se desenvolver. Como faço uso permanente de TARV, é muito provável que o tumor nunca se desenvolva, então, também fez muito sentido a recomendação desses profissionais.
Tenho muito respeito e consideração pelos profissionais que me atenderam na minha cidade - o oncologista e o radioterapeuta - todavia, ambos são médicos habituados a tratar outros tipos de câncer (o radioterapeuta chegou a mencionar que nunca havia tratado um kaposi antes) e recomendaram o tratamento que consideravam o mais adequado. Meu intuito com esse post é orientar a quem possa estar passando por uma situação semelhante, ou por qualquer outra que exija um tratamento que traz consequências não-benéficas / efeitos colaterais, para que procure uma segunda opinião. 
Estou bem mais tranquilo com a minha situação e o que farei agora é esse acompanhamento.
Em tempo, tenho algumas pintas nas costas - coisa antiga já - que têm uma aparência um pouco fora do padrão então, por precaução, irei a um dermatologista para retirá-las e fazer biópsia delas. Espero que não seja nada demais.
Grande abraço!

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Tenho um tumor - Sarcoma de Kaposi

Há pouco mais de duas semanas tive o diagnóstico de que uma lesão na sola do meu pé trata-se de um tumor, para ser mais específico, de um sarcoma de kaposi.
Ao receber essa notícia, muita coisa passou pela minha cabeça e eu entrei num funcionamento extremamente racional para conseguir lidar com a situação. Marquei um oncologista no mesmo dia, fiz exames, avisei meu infectologista. 
Na consulta com o oncologista ele me avisou que parecia tratar-se de algo simples e pontual mas que era necessária uma investigação ampla para eliminar a possibilidade de existência de outros focos. O primeiro passo foi um exame clínico  detalhado (eu de cueca e ele me olhando e tocando meu corpo). Em seguida a investigação por meio de exames: ressonâncias, tomografias, colonocospia, endoscopia e exames de sangue. Em menos de uma semana todos os exames haviam sido feitos e mais uma semana depois já estava de volta ao oncologista com os resultados: tudo limpo! Ufa que alívio! Não há em nenhuma outra parte do meu corpo nenhum outro foco de kaposi.
Todavia, um mistério persistia: como esse tumor apareceu? A pergunta se justifica porque o surgimento desse tipo de câncer está associada com dois fatores: a presença do vírus HHV-8 (vírus da herpes tipo 8) - que é muito comum e muito presente na população e uma baixa significativa de imunidade (que em geral ocorre em pacientes soropositivos não tratados, o que não é o meu caso). 
Só para contextualizar, descobri que era soropostivo desde 2003 e apenas em 2012 inicie a terapia com medicação antirretroviral. Nos 9 primeiros anos a escolha do meu infectologista foi pela não medicação pois eu tinha um quadro estável: carga viral baixa e estabilizada e células de defesa (CD4 e CD8) altas e também estáveis. Todavia, em 2012 o protocolo de tratamento do HIV no Brasil mudou e passou-se a recomendar a medicação de todos os infectados, não fosse isso, naquele ano eu estava passando por uma série de infecções de repetição - sinusites - que me levaram a esgotar todas as classes de antibióticos orais em um ano. Embora meus exames continuassem estáveis e satisfatórios, a ocorrência dessas infecções com tanta frequência (foram 6 no mesmo ano) indicavam que algo não ia bem com meu sistema imunológico. Dessa forma, iniciei no final daquele ano o uso de medicação antirretroviral. 
O início não foi fácil pois meu esquema envolvia o uso do Efavirenz junto com outras duas drogas (clique aqui para ler o post que escrevi sobre o Efavirenz), que não durou muito tempo por causa dos severos efeitos colaterais. Passei então para um segundo esquema, com o qual continuo até hoje, usando Nevirapina, Lamivudina e Tenofovir. Me dei muito bem com essa nova medicação, minha carga viral encontra-se indetectável e minhas células de defesa em nível bem alto desde então.
Por tudo isso, o diagnóstico de kaposi surpreendeu a mim e a todos os médicos que me atenderam. Meu médico chegou a cogitar a troca do esquema pois o kaposi é uma doença oportunista e sua ocorrência necessariamente indicaria uma falha terapêutica. Meu caso foi levado para ser debatido com infectologistas e violonistas em um congresso sobre Aids que estava ocorrendo justo na semana em que tive consulta. Tudo estava obscuro para nós até que hoje tive uma epifania sobre o que pode ter acontecido.
Todas as vezes que me perguntavam há quanto tempo eu possuía aquela lesão eu relatava que eu a havia notado há cerca de 4 anos, ou seja, desde 2012 mais ou menos. Lembro-me inclusive de associar o aparecimento dos primeiros sintomas a uma viagem que fiz em julho daquele ano. No início, cheguei a pensar que pudesse se tratar de alguma micose que peguei durante a viagem. 
Como falei no início deste texto, o início da terapia antirretroviral (TARV) foi no final de 2012 (em setembro ou outubro), ou seja, quando iniciei a TARV eu já possuía a lesão do kaposi. O que, na verdade, parece ter acontecido é que eu tive sim um déficit imunitário e o tumor encontrou ocasião para aparecer - analisando meus exames desde 2003, identifiquei que o período de menor relação CD4/CD8 se concentra entre junho de 2011 e maio de 2012 que é o período que antecede o início da TARV (cerca de 0,50, com menor índice histórico de 0,45 em Maio de 2012). 
Com o início da medicação, possivelmente ele se estabilizou e não progrediu no meu corpo. Os exames demonstram que a partir de Julho de 2013 até hoje (Agosto/2016) é o período com maior relação CD4/CD8 que já tive em toda minha história (cerca de 1,00). Sei que ter câncer não é uma coisa boa e não estou feliz por ter esse tumor, mas essa constatação de que, ao que tudo indica, iniciei o uso do coquetel logo que a lesão de kaposi apareceu me deixou emocionado pois, muito provavelmente, se eu não tivesse começado a tomar remédio, outras lesões teriam aparecido, talvez em lugares mais difíceis de serem tratados enfim... Me senti agraciado e cuidado por algo que eu nem sei nominar ao certo. Não, eu não acredito em coincidências. Creio que tudo acontece por uma razão e que tudo pode gerar oportunidades de crescimento e de desenvolvimento.
O tratamento que me foi sugerido no momento é: Radioterapia de baixa frequência localizada na área da lesão para evitar progresso do tumor e, talvez, até eliminá-lo. A possibilidade de troca do coquetel foi descartada após conferência de meu infectologista com outros profissionais da área. Mas o tratamento é outra história... depois que iniciar eu volto aqui para contar como foi.

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Medo de ser contaminado

Recentemente conheci um rapaz e começamos a sair.
Tivemos uns dois encontros "sociais", ou seja, sem maiores intimidades sexuais. Quando chegou a oportunidade de algo mais físico acabei "brochando" e não consegui ficar com ele. Rolou um certo constrangimento da minha parte, mas ele foi bastante compreensivo com a situação.
No encontro seguinte, que foi apenas "social", conversamos sobre diversos assuntos e lá pelas tantas ele me conta que teve um namorado soropositivo e que foi muito difícil para ele viver essa relação pois sempre achava que iria ser contaminado. E mesmo depois dele, a cada vez que ficava doente, corria para fazer exames para ver se estava tudo bem.
Não preciso nem mencionar o quanto isso foi um balde de água fria em qualquer expectativa que eu ainda poderia ter em construir uma relação com ele né? No momento não consegui falar nada, apenas fui para casa pensando muito nessa história.
Diversas possibilidades passavam pela minha cabeça:
1) melhor me afastar sem falar nada sobre HIV pois evita que eu tenha de me expor por uma coisa que "já está na cara" que não vai dar certo
2) contar que sou soropositivo apenas para justificar nosso "término"
3) contar que sou soropositivo e ver como as coisas andam
Apesar de a primeira opção ser minha escolha "natural" depois de uma conversa com meu psicoterapeuta acabei optando pela 3a. Ou seja, contar, de coração aberto, e ver o que aconteceria. Minha expectativa é que o cenário 2 se realizasse e que ele dissesse algo do tipo: "Puxa, que bom que você me contou e que bom que 'não rolou nada' entre a gente. Melhor ficarmos por aqui mesmo"
Chegado o dia da conversa, fui à casa dele e logo nos primeiros minutos disse que queria conversar com ele sobre um assunto delicado. Relembrei a conversa sobre o medo dele em ser contaminado e anunciei minha condição de soropositivo.
Ele, para minha surpresa, reagiu com extrema tranquilidade e com uma sensação de epifania. Falou que agora então compreendia porque não tínhamos conseguido ter intimidade sexual. Possivelmente eu estaria preocupado por não ter contado antes. Disse que, na verdade, hoje lida com muito mais tranquilidade com essa questão e que não via problema algum em continuarmos.
Inacreditável!
Tirei um peso enorme das costas, contei algo que me é muito desconfortável de revelar e fui super bem acolhido. 
De todo modo, hoje não estamos mais juntos, porém o motivo é outro e não tem nada a ver com o HIV. No final das contas nossa intimidade sexual continuou não fluindo favoravelmente e eu percebi que eu gostava dele mais como pessoa do que como homem. Ou seja, adorava conversar com ele mas não me sentia atraído. Por ele ser uma pessoa super legal, até tentei mais algumas vezes, porém finalmente depois de algum tempo decidi me afastar até para não ficar gerando expectativas falsas nele.
Sei que cada um tirará um aprendizado dessa minha experiência, mas o que ficou para mim é que, no final das contas, é realmente muito difícil prever como as pessoas vão reagir à revelação sobre a soropositividade. Eu tenho tido muitas gratas surpresas. Não sou daqueles defensores de que devemos contar sempre no primeiro encontro e tratar disso como se estivesse falando do meu signo e possivelmente nunca serei. De todo modo, fica aí meu relato.

domingo, 23 de agosto de 2015

Confiança é a chave

Mais uma vez estou aqui falando de self-disclosure, ou em bom português, de abrir o jogo, contar a verdade. No meu caso específico, de contar para um novo parceiro que sou soropositivo. O interessante é que sempre justifiquei minha dificuldade em falar desse assunto com base na minha expectativa da reação do outro.
Cada vez que começo a sair com uma pessoa nova fico imaginando mil coisas. Em um dos cenários possíveis, vou contar que tenho HIV e a pessoa não vai mais querer sair comigo - ainda que ela não me diga que esse é o motivo para terminar comigo. 
Num outro cenário, um pouco mais trágico, a pessoa sente-se traída, me acusa, me ofende, sai batendo a porta e com muita raiva de mim.
Passando pro lado dos cenários mais otimistas, há aquele no qual a pessoa aceita de boa como se fosse apenas mais uma informação biográfica como o signo ou o local de nascimento.
Ainda positivo, mas um pouco menos acolhedor é aquele em que a pessoa diz precisar de um tempo para processar a informação e depois volta dizendo que está tudo bem, faz muitas perguntas, quer entender como é, o que pode e o que não pode.
Há ainda um cenário possível e positivo, mas que nunca parece irrealizável, que é aquele em que no momento em que um conta que é soropositivo, o outro também revela que é e estava sem saber em que momento iria contar. Esse último já me levou a pensar em fazer minha revelação iniciando por uma pergunta. Seria mais ou menos assim:
     (Eu) - oi, queria te perguntar uma coisa...
     (Outro) - sim, pode perguntar.
     (Eu) - você é soropostivo?
     (Outro) - Sim, como você sabe? ou Não, claro que não, por que? ou "n"outras respostas possíveis
     (Eu) - Eu sou... e aí segue-se um dos cenários acima mencionados.


Recentemente estava saindo já há uns 2 meses com uma pessoa e ainda não tinha tido coragem para contar-lhe da minha situação sorológica. Na verdade, eu estava inseguro acerca do futuro da relação, que, na verdade, ainda estava naquela fase do "estamos nos conhecendo" embora eu já tivesse tentado "dar nome às coisas". Ao comentar sobre isso na minha terapia, ouvi de volta a seguinte observação: "você não contou porque não confia nele". Essa frase tão direta me atingiu como um golpe e me fez pensar. Um filme passou pela minha cabeça e eu percebi diversos momentos da nossa breve história em que me peguei desconfiando dele. Seja duvidando de uma história que me foi contada, seja achando que a motivação para estar comigo era interesse financeiro, só para mencionar algumas. Fez muito sentido para mim percebe que, por mais que eu tenha sim a tendência de querer ter a aprovação dos outros para as coisas que faço, a minha disposição para contar sobre minha sorologia estava intimamente relacionada ao meu grau de confiança na outra pessoa. Essa reflexão me leva a uma outra que é: se depois de ter experimentado dois meses de convívio próximo, partilhado experiências ainda assim não tenho confiança em contar para ele que sou soropositivo, é porque, na verdade, talvez  não deva continuar me encontrando com essa pessoa.